Num dia em que os pajens do rei David tomavam refeição juntos, foram-lhes servidos ovos cozidos. Um dos pajens estava mais faminto do que os outros, e consumiu antes a sua parte. Quando os demais começaram a comer, ele ficou com vergonha de estar com o prato vazio, e abordou o colega mais próximo:
— Empreste-me um dos seus ovos.
— Com prazer. Mas desde que você me prometa devolvê-lo, quando eu o solicitar, com todos os rendimentos que ele me teria proporcionado.
O pajem não viu inconveniente em assumir esse compromisso, e aceitou. Pôde então adornar com um ovo a desolada solidão do seu prato.
Muito tempo depois, o que havia feito o empréstimo veio cobrá-lo.
— Muito bem — concordou o pajem. — Então eu vou lhe dar um ovo, pois foi este o empréstimo que você me fez.
— Nada disso! Você tem de acrescentar os rendimentos que o meu ovo me daria durante todo esse tempo.
Discutiram, mas não havia meio de chegar a um acordo, pois os cálculos de rendimentos geraram números estratosféricos. Decidiram então apelar para o julgamento do rei David.
Quando entravam no palácio, encontraram Salomão, filho do rei, que tinha por costume perguntar sempre o objetivo da visita. Fez a pergunta habitual aos dois jovens, que lhe deram todas as explicações. Salomão então lhes disse:
— Submetam então a vossa querela a meu pai, e depois digam-me qual terá sido a sentença.
Os jovens se apresentaram a David e lhe expuseram o compromisso que havia entre os dois, de devolução do ovo com os rendimentos que teria proporcionado. O compromisso havia sido assumido diante de testemunhas, e foi fácil comprová-lo. Então David sentenciou:
— Assim sendo, a sua obrigação é pagar.
— Nunca me neguei a pagar. O que não concordo é com o volume da dívida que ele me está cobrando.
Dirigindo-se ao credor, David perguntou:
— Quais são as contas que você está fazendo?
— Senhor, no prazo de um ano um ovo produz uma galinha. Essa galinha põe no mínimo vinte ovos, que no fim de um ano se transformam em vinte galinhas. Cada uma delas, por sua vez, põe vinte ovos que geram vinte galinhas, perfazendo quatrocentas. O cálculo se estende a cinco anos, que é o tempo decorrido desde o empréstimo.
— Acho o cálculo bem feito. Neste caso, é isso o que você tem que pagar — disse o rei, dirigindo-se ao devedor.
Saiu dali o pajem decepcionado, vendo que de acordo com esses cálculos os rendimentos se transformaram numa dívida absurda. Na saída, Salomão lhe perguntou:
— Qual foi a sentença do rei?
— Ele disse que tenho de pagar tudo o que o meu companheiro sustenta que lhe devo. Mas nem vejo como o conseguirei, pois a quantia é altíssima.
— Não se desespere por isso. Vou lhe dar um bom conselho, que resolverá o problema.
— Deus o recompense por isso!
— Faça então o seguinte — e deu-lhe então Salomão as orientações sobre como deveria proceder.
No dia seguinte o pajem se pôs à margem de uma estrada muito movimentada, com um prato de favas cozidas na mão. Quando se aproximava um grupo de soldados ou pessoas de importância, ele se punha a escavar a terra, como se estivesse plantando algo. Estranhando essa atitude, muitos perguntavam:
— O que está fazendo aí?
— Quero ver se estas favas cozidas conseguem germinar.
— Você deve estar louco! Onde já se viu favas cozidas germinarem!?
— Nada mais natural. Seria mais assombroso alguém conseguir obter uma galinha de um ovo cozido.
O pajem passou todo o dia dando a mesma resposta a todos que o abordavam. Como era de esperar, logo o fato chegou ao conhecimento do rei David, que entendeu a mensagem e ordenou o comparecimento do pajem à sua presença.
— Quem te sugeriu o que andas fazendo, de semear favas cozidas?
— Por Deus, senhor! Foi o vosso filho Salomão.
David mandou chamar o príncipe, e lhe perguntou:
— Como te ocorreu dar ao pajem esse conselho, que resolve tão bem o problema?
— Como poderia o jovem responder por coisas que se baseiam apenas num disparatado pressuposto? Depois que um ovo é colocado em água fervendo, já não pode ser considerado uma galinha em potencial. Um ovo cozido é tão apto para germinar como uma fava cozida. Então...
David não poderia negar a evidência. Chamou à sua presença os dois contendores, e ordenou ao devedor:
— Devolva ao credor somente um ovo, e tua dívida estará quitada.
Por isso deve-se sempre seguir o provérbio: “Deixa a sentença nas mãos do rei, e a justiça nas mãos do filho”.
(Conto tradicional hebreu, in R. Menéndez Pidal, Antología de cuentos – Labor, Barcelona, 1953)
***
Visite agora os meus sites:
www.fatoshistoricos.com.br
www.mundodanobreza.com.br
CONTOS BEM CONTADOS
Este blog contém uma seleção de contos literários da literatura universal. Leitura agradável e instrutiva, útil especialmente para estebelecimentos de ensino e para leitura domiciliar. Foram selecionados por LEON BEAUGESTE, autor do livro A VOLTA AO MUNDO DA NOBREZA, que pode ser apreciado e adquirido nos sites: http://www.fatoshistoricos.com.br/ e http://www.mundodanobreza.com.br/.
Leon Beaugeste
Leon Beaugeste
Arquivo do blog
-
▼
08
(74)
-
▼
06
(66)
- A DAMA OU O TIGRE - Frank R. Stockton
- A DEMONSTRAÇÃO DO PROF. ROUSS - Josef e Karel Capek
- A FLAUTA DO MONGE INOCENTE - Jean de Quercy
- A IMPERATRIZ DE SPINETTA - Paul Heyse
- A LEGENDA DE INGELHEIM - Alexandre Dumas
- A LUTA COM O MONSTRO - Victor Hugo
- A MOSCA VERDE E O ESQUILO AMARELO - Kálmán Mitszáth
- A MULA DO PAPA - Alphonse Daudet
- A SERPENTE DE OURO - Petrus Alphonsi
- A ÚLTIMA AULA - Alphonse Daudet
- ÚLTIMA CORRIDA DE TOUROS EM SALVATERRA - Rebelo da...
- A VINGANÇA DO PRESTIDIGITADOR - Stephen Leacock
- AS FADAS DA FRANÇA - Alphonse Daudet
- AS MULAS DE SUA EXCELÊNCIA - Vicente Riva Palacio
- BAM-BAM - Jules Claretie
- BEAUDOIN À LA HACHE - Alexandre Dumas
- BROOKSMITH - Henry James
- CAÇADA RUSSA - Alexandre Dumas
- CAÍDO DO CÉU - G. Lenôtre
- CRONOLOGIA VIVA - Anton Tchekov
- DE CIMA PARA BAIXO - Artur Azevedo
- DEZ ANOS DE KEST - Malba Tahan
- DIVERTIMENTO FORÇADO - Mór Jókai
- ENENO IUDÉIA - Malba Tahan
- ILUMINEMOS PEQUIM! - Ka-Lao-Yeh
- KRAMBAMBULI - Marie von Ebner-Eschenbach
- MADEMOISELLE FIFI - Guy de Maupassant
- MATHIOTE - G. Lenôtre
- NICOLAUZINHO MENTIRA - Ion Alexandru Bratescu-Voin...
- NOTÍCIAS DO FUTURO - Holloway Horn
- O ALFINETE - Ventura García Calderón
- O ANGELUS NOS MARES DA SICÍLIA - Alexandre Dumas
- O COLOCADOR DE PRONOMES - Monteiro Lobato
- O COMPRADOR DE FAZENDAS - Monteiro Lobato
- O CONTO DO PREBOSTE - A. J. Cronin
- O COZINHEIRO DO ARCEBISPO - Juan Valera
- O DENTE QUEBRADO - Pedro Emílio Coll
- O ENFORCADO DE LA PIROCHE - Alexandre Dumas Filho
- O ENIGMA DO FERREIRO E O ROSTO DO REI - Novellino
- O FIM DE ARSÈNE GODARD - João do Rio
- O HOMEM DISTRAÍDO - Jerome K. Jerome
- O HOMEM QUE SABIA JAVANÊS - Lima Barreto
- O LEPROSO DA CIDADE DE AOSTA - Xavier de Maistre
- O MAU ZUAVO - Alphonse Daudet
- O MEDO - Guy de Maupassant
- O NATAL DO OFICIAL DE JUSTIÇA - Dimitr Ivanov
- O OVO EMPRESTADO - Conto tradicional hebreu
- O PRESENTE DE ANIVERSÁRIO DO VOVÔ - Herman Haijermans
- O PRIMEIRO IMPULSO - Autor persa anônimo
- O PROBLEMA DAS OITO CAIXAS - Malba Tahan
- O REALEJO - Boleslaw Prus
- O SÁBIO DA EFELOGIA - Malba Tahan
- O SACRISTÃO - Somerset Maugham
- O SEGREDO DE MESTRE CORNILLE - Alphonse Daudet
- O TIRO - Alexandre Puchkin
- O VAPOR DAS PANELAS E O TINIR DAS MOEDAS - Novellino
- O VILÃO QUE CONQUISTOU O PARAÍSO - Jakes de Basin
- O VINHO DERRAMADO - Jakes de Basin
- O XEQUE BOU-AKAS - Alexandre Dumas
- OS TRINTA E CINCO CAMELOS - Malba Tahan
- PLEBISCITO - Artur Azevedo
- POR UMA DÚZIA DE OVOS COZIDOS - Ernesto Montenegro
- QUAL DOS NOVE? - Maurício Jokai
- QUEM CONTA UM CONTO... - Machado de Assis
- SÓ QUANDO ESTIVEREM JUNTOS - Anônimo
- UM INGRATO - Artur Azevedo
-
▼
06
(66)